sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O novo homem: o que falta para ele chegar lá?

Dividir as tarefas de casa, cuidar dos filhos, cozinhar, ouvir as conversas femininas, ajudar nas decisões domésticas. O homem já avançou muito na direção de olhar a mulher de igual para igual - mas ainda há um bom caminho a percorrer



Getty Images
O novo homem: para acompanhar as mudanças que atingiram as mulheres, os homens mudaram também e tentam aprender a equilibrar papéis
Há 100 anos a mulher brasileira não podia votar, trabalhar fora ou ter propriedade em seu nome. Também não podia viajar sem a autorização do pai ou do marido. Hoje elas são maioria nas universidades, ocupam cargos públicos, chefiam famílias e são independentes. Ah, sim: e elas estão na Presidência da República.
Em meio a tantas mudanças no sentido da igualdade de gêneros, não foi só a mulher que se transformou. O homem também teve de mudar para se adaptar a essa nova realidade. Ele não carrega mais sozinho o fardo de ser o provedor da família, e não fica mais alheio aos cuidados com os filhos, às tarefas domésticas, aos dotes culinários, aos cuidados com a aparência, aos assuntos ditos 'femininos'. “O ‘novo’ homem surge no lugar do homem ‘antigo’, ou seja, um indivíduo que se comportava dentro dos padrões esperados para um macho tradicional”, explica a psicóloga Vera Siqueira no artigo “O novo homem na mídia: ressignificações por homens docentes”, publicado em 2007.Em dez anos, segundo dados do Censo 2010, o número de famílias chefiadas por mulheres cresceu 37,3 %. Dos 973,8 mil estudantes que concluíram o nível superior em 2010, 60,9% eram mulheres. E é só olhar em volta: elas estão em cargos de chefia, comandam seus próprios negócios, vêm e vão como bem lhes convêm.
Para a filósofa e palestrante Dulce Magalhães, que também é articulista da BPW (Associação Internacional de Mulheres de Negócios e Profissionais), as mudanças no comportamento masculino são incontestáveis, mas ainda há pontos a ser melhorados. “A maioria dos homens hoje não se sente oprimida pelo fato de sua mulher trabalhar, mas ainda podemos encontrar o homem que se sente mal porque a mulher ganha mais que ele”, exemplifica.
É o que acontece na casa da empresária Carla Cardoso, de 32 anos. O marido, o motorista Leonardo, da mesma idade que ela, fica incomodado com o fato de a esposa ter rendimentos cerca de 40% maiores que o dele. “Ele reclama um pouco. Sou eu que administro nossas finanças, pago as contas, guardo dinheiro e faço as reservas, e ele se sente menos valorizado por isso”, conta Carla.
Getty Images
O novo homem divide as tarefas, em vez de ser um mero "ajudante" da mulher

A situação de Carla pode ser cada vez mais comum, mas de forma geral é o oposto do que acontece no Brasil. O sexo feminino ainda está em desvantagem quando se trata de mercado de trabalho e nível salarial. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres recebem rendimentos 25,7% menores que os deles. Outra disparidade: profissionais do sexo feminino são minoria entre os assalariados: 42,3% do total, contra 57,7% de homens.
“As desigualdades ainda são muitas, entre elas as oportunidades na carreira, que são prejudicadas por conta de as mulheres terem que assumir tarefas domésticas e maternidade, sem falar da falta de creches para deixar as crianças”, afirma a psicóloga Vera Helena Ferraz de Siqueira, especialista em gênero e coordenadora do grupo de pesquisa de Gênese na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Dulce Magalhães, essa diferença acontece porque no Brasil ainda se tem a visão cultural de que a mulher vale menos que o homem, que ela apenas contribui em parte com os recursos da casa, enquanto ele é considerado o principal provedor da família. Esta visão é contrariada por casos ainda minoritários de homens que não “ajudam” a mulher em casa, verbo que presume as tarefas domésticas como uma obrigação principalmente delas e acessoriamente deles, mas sim dividem ouassumem a administração cotidiana do lar. Elas continuam conquistando o mundo lá fora, enquanto eles ainda precisam aprender a dominar o mundo doméstico.
Getty Images
Um dos principais dilemas do novo homem é reconhecer a igualdade sem perder a gentileza
Gentileza x igualdade
Em meio a esse cenário, muitos homens se sentem perdidos quanto ao papel masculino na sociedade atual. Se ele faz questão de pagar a conta do restaurante, pode ser considerado machista; se ele deixa a mulher pagar, pode ser acusado de falta de cavalheirismo. “Muitas vezes, há aí um estado de desequilíbrio”, diz Dulce.
Um bom exemplo disso acontece com a micropigmentadora Marjorye Rudek, de 41 anos. Segundo ela mesma define, o marido, Marcelo, de 39 anos, é um homem à moda antiga, mas, ao mesmo tempo, “moderno” e colaborativo. “Ele é daqueles que abre a porta do carro, leva café da manhã na cama, mas também divide tudo comigo, lava louça, leva as crianças na escola, cozinha”, diz ela, que tem três filhos com ele: Pietro, 8, Giulliano, 7, e Dandara, 6.
A psicóloga Vera Siqueira acredita que a educação é parte fundamental para a evolução no sentido da igualdade de gêneros. “Se não houver uma mudança de olhar dos indivíduos, tanto homens como mulheres, que permita ver como as consequências de atitudes e valores repercutem em injustiças sociais e tensões domésticas, muito pouco do que realmente é importante ocorrerá – e as mudanças permanecerão apenas superficiais”, finaliza a professora.

Para Bia Sandoval, 50 anos, dona da Bia Sandoval Flowers, empresa do ramo de flores e ambientação de festas, o desajuste do homem moderno à realidade atual se reflete nas relações sociais. "Os homens não sabem direito chegar numa mulher independente, bem resolvida, que cuida da sua vida. Eles ficaram sem parâmetros de como tratar uma mulher de igual para igual. Eles acham que, se você vai rachar a conta do restaurante, eles não precisam abrir a porta do carro para você. É uma confusão entre igualdade e gentileza", diz ela. "Muitos deles ficam tão perdidos nesse novo papel que só chegam em você quando estão bêbados. Eles voltam para a adolescência."
Fonte: Alessandra Oggioni - especial para o iG São Paulo 

Nenhum comentário:

Postar um comentário